O massacre de Paraisópolis e a criminalização do lazer e da cultura periférica

André Ed
3 min readDec 4, 2019

--

O massacre ocorrido em Paraisópolis, protagonizado pela PM e que resultou na morte de 9 pessoas, também nos faz atentar para uma outra questão: a falta de espaços de lazer e de aparelhos culturais nas periferias.

Nos últimos dias, não foram poucas as pessoas que aplaudiram o ocorrido por considerarem que é um absurdo que jovens frequentem pancadões nos sábados à noite… Afinal, como podem frequentar uma festa onde circulam drogas? “Se estivessem em casa assistindo a alguma série da Netflix ou na igreja, nada disso teria acontecido”, é o que dizem.

Essa crítica, pautada na chave da moral, utiliza o funk como artifício para, na verdade, criminalizar ainda mais negros e pobres, moradores majoritários das periferias. Festas com drogas não são exclusividade dos pancadões: frequentemente, por exemplo, em bairros de classe média ou classe média-alta, universitários e a burguesia protagonizam as suas festas na mesma medida. A diferença? Questão de classe social, o CEP e, claro, os critérios racistas que a PM e a sociedade utilizam para avaliar essas festas.

Fonte

Segundo esta reportagem do UOL, os jovens que vivem em Paraisópolis, favela com cerca de 100 mil habitantes, não possuem acesso facilitado a parques, bibliotecas ou salas de cinema. Para frequentar esses espaços, se faz necessário sair dos limites geográficos e frequentar bairros vizinhos. O Parque do Ibirapuera? Está a 1h de transporte público da favela — transporte caríssimo, bom lembrar. Cinemas de shoppings? Mas desde quando os centros comerciais dos ricos bairros do Morumbi, Itaim Bibi e afins são receptivos à entrada de mulheres e homens da periferia?

Trata-se de um problema crônico das periferias de São Paulo. Eu, por exemplo, trabalho em um bairro inserido no distrito de Ermelino Matarazzo, na Zona Leste da cidade. Alunos e alunas, residentes na região, não têm acesso facilitado a espaços de lazer ou a aparelhos culturais oferecidos pelo Estado. Nesse sentido, dependem das poucas opções que lá existem: a própria escola, o CEU da região, uns campinhos para bater uma bola… Vale lembrar que só não é pior porque, na região, temos a Ocupação Cultural Mateus Santos, que oferece diversas atividades interessantes para os moradores da região.

É isso: com um Estado ausente, são as ocupações, os próprios moradores, ONGs e afins que fazem acontecer nas periferias. Que levam acesso à cultura às pessoas; que criam espaços de lazer para abstração.

As ações da PM não são mero acaso: elas refletem a maneira cotidiana como a corporação trata negros e pobres nas periferias da cidade. O massacre e as discussões que dele resultaram escancaram, entre outras coisas, o racismo estrutural e a questão de classe, tão presente no Brasil.

O crime dos jovens que morreram? Serem negros ou pobres. Isso, no país, é suficiente para que se tornem estatísticas da letalidade policial. E sem sensibilizar significativa parcela da população, que encara suas mortes como algo natural, compreensível ou mesmo um mal necessário.

--

--